Caballitos de totora: a verdadeira origem do surfe no Peru

Se você é apaixonado por surfe ou apenas gosta de conhecer culturas diferentes, provavelmente já ouviu falar que o Havaí é a “terra do surfe”. Porém, muitos pesquisadores defendem que o ato de surfar nas ondas começou muito antes, na costa peruana, por meio de uma embarcação ancestral chamada caballito de totora. 

Este tipo de embarcação vem despertando cada vez mais interesse, pois pode ser considerado o elo entre antigas civilizações pesqueiras e o que hoje conhecemos como surfe moderno. Neste artigo, vamos explorar como os caballitos de totora funcionam, onde surgiram, por que são importantes para a cultura do Peru e de que forma eles podem lançar luz sobre a verdadeira origem do surfe.

As civilizações pré-incas e sua história

Para entender por que o caballito de totora é tão especial, é importante saber que as civilizações pré-incas, como a Moche e a Chimú, já habitavam partes do litoral peruano há muitos séculos. Esses povos desenvolveram técnicas de pesca e navegação adaptadas às condições do Oceano Pacífico. É provável que, para se locomover e pescar, eles utilizassem embarcações feitas de totora — uma planta aquática abundante em regiões de pântano e lagos costeiros.

Um detalhe que chama a atenção é que essas civilizações construíram cidades monumentais, como Chan Chan, a capital Chimú, que fica próxima às praias onde hoje ainda vemos pescadores usando esses barcos de junco. Essa conexão histórica sugere que o uso dos caballitos de totora não é algo recente ou folclórico, mas sim parte de uma tradição milenar que se mantém viva, apesar das transformações da sociedade e do tempo.

Cerâmica da cultura Chimú representando um caballito de totora.

O que são os caballitos de totora?

O caballito de totora é uma pequena embarcação feita com juncos de totora, amarrados de forma a criar uma estrutura alongada, semelhante a uma canoa ou a um bote estreito. No Peru, especialmente na região de Huanchaco, em Trujillo, essas embarcações são usadas há séculos pelos pescadores locais para se aventurarem no mar e garantirem o sustento diário de suas famílias.

Geralmente, esse caballito apresenta cerca de três metros a quatro metros de comprimento, embora haja variações de tamanho. O pescador senta-se sobre a parte de trás ou “popa” do caballito e rema usando uma vara ou um pedaço de junco mais grosso. A estabilidade, num primeiro momento, pode parecer precária, mas, com a prática, é possível controlar bem a embarcação e até pegar ondas em direção à areia — algo que lembra muito a maneira como pranchas de surfe são usadas para deslizar sobre a água.

Caballitos de totora na praia de Huanchaco ao entardecer.

Semelhanças com o surfe moderno

Um dos pontos mais interessantes sobre o caballito de totora é que, mesmo parecendo um “barco” em miniatura, a sua função no mar é muito parecida com a do surfe. É possível notar que essas embarcações não surgiram para lazer, mas para a pesca. Mesmo assim, o pescador precisava enfrentar as ondulações para ir além do quebra-mar e depois usar a energia das ondas para retornar à praia. Assim, as civilizações pré-incas descobriram intuitivamente como aproveitar o impulso da onda é para que elas deslizassem sobre a superfície.

Foi exatamente essa prática de voltar “surfando” que chama a atenção de historiadores e antropólogos. É como se, muito antes de o surfe se popularizar no Havaí onde hoje é um destino famoso para surfistas, os peruanos já tivessem dominado a técnica de pegar ondas. Muitos defendem, portanto, que o Peru foi o lugar em que as pessoas começou a surfar de maneira sistematizada, fazendo do caballito de totora o primeiro tipo de prancha utilizado para descer ondulações marítimas.

A discussão sobre a “verdadeira origem” do surfe

Há um debate interessante na comunidade de historiadores do surfe: afinal, onde o surfe realmente nasceu? No Peru, com os pescadores e seus caballitos de totora, ou no Havaí, berço das primeiras pranchas de surfe que conhecemos no formato moderno? A resposta não é simples, pois cada região desenvolveu suas próprias formas de interação com o mar. 

Os havaianos têm registros documentados e relatos que remontam a séculos, descrevendo rituais e competições de surfe. Já no Peru, embora a prática de “pegar onda” existisse, geralmente é ressaltado que o objetivo original era a pesca, não o lazer.

Contudo, quando analisamos de perto, percebemos que ambas as culturas compartilhavam a mesma base: descer ondas em um dispositivo construído para se manter na superfície do mar. Para alguns estudiosos, isso basta para dizer que o surfe é praticado no Peru de forma ancestral, ainda que o sentido fosse utilitário, diferente do caráter religioso e competitivo que o povo havaiano desenvolveu ao longo do tempo.

Surfe tradicional com caballito de totora.

Fabricando um caballito de totora

Uma das partes mais fascinantes de explorar é a construção do caballito de totora, que é um trabalho artesanal passado de geração em geração. A totora é uma planta típica de áreas pantanosas, cultivada em lagoas ou beiras de praia. Ela precisa ser colhida no momento certo para garantir flexibilidade e durabilidade. Logo após a colheita, a planta é deixada para secar e, então, começa o processo de amarração.

O formato do caballito assemelha-se a um “V” invertido, com a proa fina e levemente curvada para cima, e a parte traseira mais larga para permitir que o pescador se sente. A diferença fundamental entre o caballito e as pranchas de surfe é que, no caso do caballito, o pescador, em muitos momentos, fica praticamente dentro da água, equilibrando-se para não tombar. Já nas pranchas, o surfista fica completamente sobre a superfície, tendo apenas a prancha em contato direto com o mar.

Artesãos fabricando um caballito de totora.

O percurso das ondas: “surfando” caballitos de totora

Quando um pescador peruano sai com seu caballito para pescar, ele precisa atravessar as ondas iniciais e remar até águas mais calmas. Após pescar, na volta, ele posiciona a embarcação na frente de uma onda e rema com força para pegar velocidade. É aí que começa a semelhança marcante: a embarcação ganha impulso e deslizassem sobre a onda, carregando o pescador de volta à praia.

Essa técnica de “pegar carona” na onda é muito semelhante ao surfe moderno. Por isso, alguns surfistas, ao visitarem o Peru, arriscam passeios em caballitos de totora, buscando sentir como seria surfar há centenas de anos. Embora o controle seja diferente e o peso do caballito seja maior que o de uma prancha de fibra de vidro, a sensação de “domar” a onda permanece.

Surfe com caballito de totora na praia de Huanchaco.

Difusão e popularização no século XX

A partir do século XX, o surfe ganhou notoriedade mundial, especialmente através de filmes de Hollywood e da cultura do “beach lifestyle”. Enquanto isso, no litoral peruano, o uso do caballito de totora manteve-se firme, mas continuou bastante restrito às comunidades de pescadores. Foi nos últimos anos que autoridades de turismo, historiadores e surfistas começaram a dar mais valor a essa prática ancestral, divulgando-a como um grande atrativo.

Hoje, quem visita praias como Huanchaco, Pimentel ou Chicama pode ver os caballitos de totora em ação, como parte importante da identidade local. Além disso, algumas escolas de surfe passaram a oferecer experiências em que o visitante pode aprender a remar e até pegar pequenas ondas nesse barquinho tradicional. Nessa tentativa de resgate cultural, muitos turistas se encantam com as histórias e a herança milenar que essas embarcações representam.

Experimente surfar com os caballitos de totora em Huanchaco, Peru.

Turismo e experiência prática

Se você está planejando visitar o Peru, vale muito a pena incluir Huanchaco em seu roteiro. Ali, vários pescadores oferecem passeios de caballito de totora, permitindo que você sinta de perto como é se sentar nessas embarcações feitas de junco. O ideal é ir de manhã ou no meio da tarde, quando o mar não está tão agitado. Os pescadores locais também dão dicas sobre equilíbrio, como remar e a melhor forma de manusear o caballito.

Para quem deseja algo ainda mais inusitado, há festivais em certas épocas do ano em que se promovem corridas ou competições de caballito de totora. Nesses eventos, você consegue ver, na prática, como a cultura pesqueira se mistura com as raízes do surfe.

Passeio de caballito de totora com um guia experiente.

A importância de Huanchaco e Chan Chan

Huanchaco não é apenas uma praia, mas uma cidade que respira história. Ficando a poucos quilômetros de Chan Chan, a cidade de arquitetura milenar, a região carrega um simbolismo muito grande. Turistas geralmente dividem o dia entre visitar as ruínas de Chan Chan e, depois, conhecer os pescadores e suas embarcações de totora na praia. Essa combinação de turismo histórico e cultural cria uma conexão forte entre o passado das civilizações pré-incas e o presente, no qual o surfe é praticado tanto com pranchas quanto com caballitos de totora.

Ameaças e preservação cultural

Embora o caballito de totora seja um símbolo cultural do Peru, é preciso mencionar que a tradição enfrenta alguns desafios. A totora depende de áreas úmidas preservadas, e, com a expansão urbana, algumas dessas regiões vêm sofrendo impactos ambientais. Além disso, a modernização dos métodos de pesca pode levar os jovens pescadores a preferirem barcos a motor, abandonando a confecção artesanal dos caballitos.

Felizmente, iniciativas de preservação têm sido desenvolvidas, tanto por órgãos governamentais quanto por ONGs locais. O objetivo é manter vivos os canaviais de totora, incentivar o aprendizado das técnicas ancestrais de amarração e promover o uso turístico e cultural do caballito. Tudo isso ajuda a gerar renda para as comunidades tradicionais e, ao mesmo tempo, mantém a história viva.

Pesca tradicional usando caballitos de totora.

Reflexões sobre o surfe e a cultura

Pensar que pessoas de civilizações tão antigas deslizassem sobre as ondas para facilitar a pesca é algo que nos faz refletir sobre a criatividade humana. Ao observar as ondas, esses povos perceberam que poderiam aproveitar a energia natural do mar para se moverem de forma mais rápida. Esse insight é basicamente o mesmo que alimenta a paixão de milhões de surfistas ao redor do mundo: a busca pelo deslize perfeito, pela onda ideal, pela comunhão com a natureza.

A diferença está nos propósitos. Enquanto o caballito de totora geralmente é visto como uma ferramenta de trabalho, as pranchas de surfe modernas, ao longo do tempo, se tornaram símbolo de esporte, lazer e estilo de vida. Ainda assim, o ato de surfar em sua essência continua sendo o mesmo: conectar-se com as ondas, sentir a força do mar e manter o equilíbrio.

Cerâmica Chimú representando pescador em caballito de totora, arte ancestral.

Havaí, onde o surfe se popularizou

Mesmo que o Havaí seja reconhecido mundialmente como o grande polo do surfe e lugar que contribuiu enormemente para a evolução das pranchas e das manobras, isso não invalida a importância do Peru no contexto histórico. 

De fato, o Havaí é o palco de competições internacionais, lar de ondas gigantescas e berço de lendas como Duke Kahanamoku, figura crucial na disseminação do surfe no século XX. Porém, toda vez que alguém se pergunta “onde o mundo começou a surfar?”, é válido lembrar que, nas praias peruanas, as pessoas já utilizavam um dispositivo para surfar nas ondas de forma eficiente, muito antes de o surfe se tornar popular no mundo ocidental.

O futuro do caballito de totora

Nos últimos anos, vem crescendo a consciência sobre a necessidade de valorizar esse conhecimento ancestral. Programas educacionais e turísticos ressaltam que o caballito de totora pode se tornar uma atração maior, sobretudo para quem gosta de experiências autênticas. Aprender a pilotar um caballito não requer muitas habilidades avançadas, mas exige respeito pelas ondas e paciência para encontrar o ritmo certo de remadas.

Além disso, a própria comunidade de surfistas vê no caballito de totora uma forma de resgatar raízes do esporte e dar crédito a esses pescadores que, sem saber, plantaram a semente de algo que mais tarde se tornaria uma prática global. Essa forma de surfar aproxima o ser humano da sua essência primitiva, lembrando que, muito antes de tecnologias modernas, era preciso usar o que estava disponível na natureza para usufruir da força das ondas.

Praia de Huanchaco, Trujillo, caballitos de totora, surfe e tradição.

Curiosidades adicionais

  • Alguns caballitos podem ultrapassar os três metros de comprimento, mas o tamanho preferido da maioria dos pescadores gira em torno de 2,5 a 3 metros.
  • Quando um pescador constrói seu caballito, é um trabalho que leva alguns dias de preparo da planta, secagem e amarração cuidadosa.
  • A forma cônica e levemente arqueada permite que o caballito quebre a ondulação frontal e não submerja facilmente ao encontrar uma onda mais forte.
  • O termo “caballito” significa “cavalinho”, justamente porque o pescador monta na embarcação como se estivesse cavalgando uma onda.
  • Arqueólogos que estudaram sítios próximos a Chan Chan encontraram representações em cerâmica que indicam embarcações muito parecidas com as de hoje, sugerindo que essa prática remonta a pelo menos 2.000 anos.

Considerações finais

O surfe é amplamente associado ao Havaí, mas quando olhamos para a história peruana, percebemos que as civilizações antigas já deslizavam sobre as ondas há séculos. As comunidades pesqueiras do Peru utilizam o chamado caballito de totora há muito tempo, não apenas como ferramenta de trabalho, mas também como um reflexo da conexão entre o homem e o mar. 

Com seus três metros ou quatro metros de comprimento, essa embarcação representa uma herança cultural viva e levanta a questão sobre a verdadeira origem do surfe. Afinal, antes de o esporte se tornar popular no mundo, os pescadores peruanos já começaram a surfar as ondas do Oceano Pacífico de maneira única.

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