A Lenda dos Irmãos Ayar: Origem do Império Inca

As civilizações antigas muitas vezes explicavam suas origens por meio de mitos e lendas que combinavam elementos históricos, religiosos e simbólicos. Os Incas, uma das civilizações pré-colombianas mais famosas, também tinham suas próprias histórias de origem. Entre elas, destacam-se a lenda dos irmãos Ayar e a lenda de Manco Cápac e Mama Ocllo.

Antes de mergulhar na lenda, é importante entender o contexto histórico e cultural dos Incas. O Império Inca prosperou na região dos Andes, abrangendo áreas que hoje são partes do Peru, Equador, Bolívia, Chile e Argentina. Eles construíram uma sociedade complexa e bem organizada, com um sistema político, social e religioso bem estruturado.

Com a capital na cidade de Cusco, antigamente chamada de Qosqo, essa palavra quechua significa umbigo ou centro. Para os incas, esta cidade era o centro do seu império, que se estendia por toda a região dos Andes. Cusco não era apenas a capital política e administrativa do império inca, mas também o centro espiritual e religioso.

De acordo com a mitologia inca, o deus Sol, considerado pai dos irmãos Ayar, deu uma vara de ouro para que, no lugar onde ela afundasse, eles fundassem a cidade. Os irmãos Ayar fincaram a vara de ouro, marcando o local sagrado onde fundariam a cidade que se tornaria o coração do império dos incas.

Os mitos de origem dos incas são fundamentais para entender como essa civilização via sua própria criação e legitimidade. Entre esses mitos, a lenda dos irmãos Ayar se destaca como uma narrativa que não apenas explica a fundação de Cusco, a capital do Império Inca, mas também mostra o papel dos deuses e heróis na formação de sua identidade cultural.

A Lenda dos Irmãos Ayar

Segundo a lenda, o deus criador Tecsi Viracocha enviou seus quatro filhos: Ayar Cachi e Mama Huaco, Ayar Uchu e Mama Ipacura, Ayar Auca e Mama Rahua, e finalmente, Ayar Manco e Mama Ocllo. Os irmãos Ayar tinham a missão de encontrar um lugar ideal para estabelecer uma nova civilização. Eles, junto com suas esposas, saíram da caverna sagrada de Pacaritambo, levando sementes para futuras famílias (ayllus).

Eles partiram em busca de terras mais férteis. Ayar Manco carregava uma vara de ouro e a instrução que receberam era que onde essa vara afundasse seria a terra escolhida pelo deus Inti (Sol) para eles crescerem. Então, partiram com membros de dez ayllus (grupos que reuniam dez famílias).

Ayar Cachi e Mama Huaco: 

Quando eles procuravam novas terras, um dos irmãos mais fortes era Ayar Cachi. Ele tinha uma funda de ouro que atirava pedras tão alto que chegavam às nuvens. Durante a viagem, Ayar Cachi mostrou sua grande força, entrando em conflito várias vezes com seus irmãos.

Ayar Cachi, o mais corajoso dos irmãos, despertou a inveja dos outros. Ele tinha uma funda andina e, quando lançava uma pedra, as montanhas tremeram e o chão balançava, como se fosse um terremoto que criava vales e ravinas. Com medo de sua força e liderança, os três irmãos se uniram e fizeram um plano para se livrar de Ayar Cachi. 

Então uma vez que eles concordaram em se desfazer dele,  mandaram ele para buscar comida nas cavernas de Pacarina. Uma vez que Ayar Cachi entrou na caverna, seus irmãos fecharam a entrada com uma grande rocha e ele ficou preso para sempre. Seus gritos de raiva e desespero eram tão poderosos que podiam romper montanhas e fazer tremer a terra e os céus.

Os três irmãos restantes continuaram sua jornada em direção ao sudeste. No caminho, encontraram desafios e eventos místicos que testaram sua devoção e coragem. Ayar Uchu, tentando se aproximar de um ídolo de pedra sagrado em Huanacauri, foi transformado em pedra por um poder divino, e passou a fazer parte da pétrea escultura.

Os dois irmãos restantes continuaram seu caminho com pesar, até que Ayar Uchu decidiu explorar uma zona próxima ao caminho e, para sua surpresa, de repente viu-se dotado de grandes asas, com as quais voou para a Pampa do Sol. No entanto, assim que pousou nesse lugar, seu corpo também foi transformado em rocha.

A Chegada a Cusco: 

Ayar Manco, o último dos irmãos, continuou caminhando até encontrar um lugar bom para viver com suas irmãs, o vale de Cusco. Lá, ele cravou uma vara de ouro no chão, dada pelo deus Sol. Esse ato marcou o lugar onde os Incas construíram sua capital e ergueram seu império.

Segundo a lenda, quando chegaram na cidade de Qosqo, ela já era habitada por um povo chamado Huallas. Eles fizeram uma aliança e começaram a fortalecer seu ayllu (grupo de famílias). Curiosamente, onde hoje está o Templo de Qoricancha, na cidade de Cusco, eles começaram a construir um templo em homenagem ao deus Inti. Por isso, os Incas respeitavam muito o deus Sol.

A partir daí, eles deixaram um legado que é lembrado até hoje, como Machu Picchu, Sacsaywaman e muitos outros lugares incríveis que ainda mostram a engenharia inca. Um dos eventos que os Incas celebravam em junho era o Inti Raymi, a grande festa para o deus Sol. Essa festa ainda é realizada na cidade de Cusco, todo ano, no dia 24 de junho. Assim nasceu a cidade de Cusco, erguida em honra aos deuses Inti e Viracocha.

Significado Cultural e Religioso:

A lenda dos irmãos Ayar não é apenas uma história de fundação, mas um mito que ressoa profundamente com a cosmovisão andina. Ela enfatiza a conexão espiritual entre os deuses, a natureza e os humanos, enquanto estabelece uma narrativa de destino e propósito divinos para a civilização inca. Cada personagem na lenda representa uma virtude ou atributo valorizado pela cultura inca, como coragem, sabedoria e devoção aos deuses.

Além de seu significado religioso e cultural, a lenda dos irmãos Ayar teve um impacto prático na sociedade inca. Cusco, fundada segundo esta narrativa, tornou-se não apenas a capital política e administrativa do império, mas também o centro de sua religião e rituais. Os Incas desenvolveram uma complexa mitologia em torno de seus deuses e heróis fundadores, incorporando essas histórias em suas práticas cotidianas e festividades religiosas.

Legado e Relevância Contemporânea:

Mesmo após a queda do Império Inca diante da conquista espanhola no século XVI, as lendas e mitos incas continuaram a ser preservados e transmitidos ao longo das gerações. Hoje, essas narrativas são parte essencial do patrimônio cultural do Peru e são estudadas tanto por historiadores quanto por antropólogos, oferecendo insights sobre a mentalidade e a espiritualidade das civilizações antigas dos Andes.

Hoje em dia, Cusco mantém seu status de centro histórico e cultural do Peru. É um dos destinos turísticos mais populares do país, não apenas devido à sua história inca, mas também pela sua arquitetura colonial espanhola bem preservada, suas festividades tradicionais e sua proximidade com a mundialmente famosa cidade de Machu Picchu.


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